Para o público brasileiro, a Eurocopa de 2004 foi um marco em sua repercussão. Jamais se dera tanta atenção, cobertura e ênfase às entrevistas coletivas do que no torneio de Portugal. O motivo era simples: Luis Felipe Scolari, o Felipão, dos maiores treinadores do mundo, atraía como um ímã os elogios da imprensa brasileira desde a conquista da Copa do Mundo de 2002 – quando, a história não omita, pegou a Seleção auriverde muito perto de ser desclassificada nas eliminatórias e transformou num quadro campeão. Diz-se que o brasileiro, em 2004, virou torcedor português. Bobagem. Virou torcedor do Felipão. No Rio Grande do Sul em especial. Até as capas da Zero Hora chegaram a ser dedicadas ao distante torneio jogado no outro lado do Atlântico.
Eu fui, ainda sou, um torcedor do Felipão. E esses são os relatos de um aficionado durante aquela Euro. Lembro bem da estréia, quando a bizarra Grécia, de participações sempre abaixo de medianas em competições internacionais, aplicou 1-2 em Portugal – e era para ser 0-2, mas Cristiano Ronaldo descontou no fim. Depois Portugal se recuperou, fez 2-0 na Rússia, 1-0 na Espanha, tirou a sonhadora Fúria (fracassos espanhóis nunca foram muito inesperados depois de 1964) e passou como líder do grupo – mas ao lado da tal Grécia, classificada graças ao número de gols marcados.
Nas outras chaves, times como Itália e Alemanha fracassavam logo de início. A azzurra caiu numa rodada final em que muito se falou de confronto combinado entre Dinamarca e Suécia (em que os dois times jogavam por um empate para se classificar e, veja só, empataram), mas qualquer um que tenha visto o duelo notou a luta das duas equipes até o último minuto – jamais um jogo de compadres. A Alemanha, por sua vez, deixou de passar de fase por questão de dois pontos, os dois que perdeu no empate contra a estreante Letônia, num grupo em que passaram República Tcheca e Holanda. A única chave mais óbvia foi o Grupo B, com classificações de França e Inglaterra.
As quartas-de-final foram épicas. O onze de Felipão foi a campo contra os poderosos britânicos e levou 0-1 com 3 minutos. Insistiu, insistiu, insistiu, e pareceu ficar só na insistência. A bola não quis entrar. De maneira alguma. O selecionador botou, aos 75 minutos, Hélder Postiga em campo. Postiga havia esquentado o banco em toda a primeira fase, nunca entrara em campo. Uma substituição estranha.
Aos 83 minutos, Hélder Postiga fez o gol de empate português.
Na prorrogação, os lusos viraram com Rui Costa, aos 110, mas a batalha não teve fim. Frank Lampard igualou cinco minutos depois e levou a partida para os pênaltis. O heroísmo, a estrela de Felipão. Desde os onze metros, as cinco primeiras cobranças foram perfeitas. Aí apareceu Ricardo. Em Portugal, havia grande reclamação pelas escolhas de Scolari. Vítor Baía era o grande goleiro do país, eleito o melhor da Europa em 2003/04, era absurdo tirá-lo do time – e, pior, tirá-lo da convocatória! Baía não foi nem segundo reserva. Felipão apostou em Ricardo. Sem as luvas, o arqueiro parou o sexto tiro inglês, desferido por Darius Vassell. Tomado de loucura, pediu para fazer a cobrança seguinte, e converteu. 5-6 Portugal, vaga nas semifinais.
Os outros jogos das quartas tiveram passagens de fase da Holanda sobre a Suécia (0-0 no tempo normal, 5-4 nos pênaltis), uma divertida classificação da ainda desprezada Grécia, acabando com a decadente França (1-0, gol de Charisteas) e a fácil eliminação da Dinamarca proporcionada por uma arrasadora República Tcheca (3-0). Sobre os tchecos, aliás, Felipão disse antes da Eurocopa: são o melhor time em atividade no continente.
Pareciam ser, mesmo. Venceram todos os quatro jogos disputados até ali, chegavam às semifinais favoritíssimos contra a Grécia. Mas os helênicos eram realmente fortes, não tinham apenas a aura de uma simples surpresa. Nos noventa minutos, fizeram o que ninguém tinha sido capaz, e pararam a República Tcheca. O 0-0 levou à prorrogação. Uma prorrogação estranha, seguidora de um regulamento efêmero que nem durou meia década no futebol: o gol de prata. Pergunta o esquecido - o que era o gol de prata? Houvesse um gol no primeiro tempo da prorrogação e, se não ocorresse empate, o segundo tempo não seria disputado. Isso era o gol prateado. O gol de prata marcado pela Grécia mais lembrou um gol de ouro: foi no último lance do primeiro tempo, aos 105+1 minutos, num tento de Traianos Dellas convertido em jogada de escanteio. 1-0 para os gregos. No dia anterior, Portugal não tivera maiores problemas para fazer 2-1 na Holanda.
Seria a chance de vingança, aquela final no Estádio da Luz. Portugal não cometeria o mesmo erro da estréia, não repetiria aquela surpreendente derrota. Quem errou, contudo, foi o goleiro Ricardo. E errou como um amador. Nós, os torcedores de Felipão, eles, os torcedores portugueses que transformaram o país numa festa em torno da sua seleção como raras vezes se vira, todos ficaram desesperados quando o arqueiro resolveu ser zagueiro. E, num escanteio, quando deveria marcar a bola, preocupou-se em marcar o atacante. Agarrou-lhe a camisa, ao invés de tomar-lhe o esférico. Charisteas aproveitou, fez 0-1. Eram 57 minutos, havia tempo de reação, mas não houve reação. Ao apito final, a Grécia era a improvável campeã da Europa. O ex-craque lusitano Eusébio foi chamado para entregar o Troféu Henri Delauney. Uma maldade. Ele não queria fazer aquilo. Eusébio chorava. Desiludido. Como desiludidos estávamos todos os que acreditaram na mais bela campanha de uma Seleção Portuguesa em todas as Eurocopas. O sonho morreu na final.
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