No curto período entre os últimos anos da década de 1980 e os primeiros da seguinte, a Europa experimentou mudanças radicais no seu mapa, nas suas discordâncias políticas, na sua idéia de futuro. A impenetrável Cortina de Ferro que dividia o continente de uma maneira que se acostumara a crer eterna, seria rapidamente derrubada juntamente com os grandes governos socialistas do Leste. Em 1989 a Tchecoslováquia seria redemocratizada (possibilitando sua divisão quatro anos depois), o Muro de Berlim seria derrubado, a Polônia veria o fim do comunismo; em 1990 ocorreria a reunificação das duas Alemanhas; em 1991, viriam declarações de independência por todos os lados, causando a sangrenta separação da Iugoslávia (que manteria, contudo, seu nome até o século XXI) e o grande colapso da União Soviética, fechando definitivamente a Guerra Fria.
Aquilo tudo era uma realidade praticamente inimaginável naqueles dias entre 1986 e 1988, quando tiveram lugar as disputas das eliminatórias e da própria Eurocopa. À época, pouquíssimos tomariam por indício de alguma mudança próxima pela Europa Oriental o fato de que, sempre forte, ela mandava agora apenas um representante para o maior torneio entre nações do continente. Seu solitário e derradeiro pendão foi a União Soviética, retornando depois de longa ausência nas decisões do torneio, como se premeditasse uma despedida do selecionado no meio futebolístico. Classificava-se para a sua última Euro, para a última competição de uma velha Europa que não existiria mais quatro anos depois.
Para as decisões, além dos soviéticos, ganhavam classificação também a Alemanha Ocidental (sede), Espanha (classificada com um ponto de vantagem sobre a Romênia em seu quadrangular), Itália (sem problemas num pentagonal cujas maiores forças eram Suécia e Portugal), Inglaterra (invicta no quadrangular em que os maiores concorrentes eram os iugoslavos), Holanda (passeando num grupo sem grandes ameaças, em que a fraca Grécia foi segunda colocada), Dinamarca (levando um ponto de diferença sobre a Tchecoslováquia) e Irlanda (um ponto a mais que a Bulgária, dois a mais que Bélgica e Escócia, num disputadíssimo pentagonal em que Luxemburgo prestou de saco-de-pancadas). No torneio ocorrido em junho, elas seriam assim divididas: Alemanha Ocidental, Dinamarca, Espanha e Itália no Grupo 1, Holanda, Inglaterra, Irlanda e União Soviética no Grupo 2.
A primeira chave transcorreria sem percalços para os dois maiores favoritos. Na estréia, em Düsseldorf, Alemanha Ocidental e Itália fizeram um confronto duro, em que os de casa saíram perdendo no início da etapa complementar, mas empataram três minutos depois, finalizando o 1-1. Depois, tanto os locais quanto a azzurra venceram seus jogos para avançar à etapa de semifinal: os alemães aplicaram duas vezes 2-0 nos dinamarqueses e espanhóis, os italianos fizeram 1-0 na Espanha e 2-0 na Dinamarca.
No Grupo 2 morou a real disputa, com a zebra aparecendo na primeira rodada. No dia 12 de junho, em Stuttgart, a Inglaterra era completamente favorita para passar por cima da Irlanda, mas, numa constante de suas participações na Euro, jogou abaixo do esperado – Houghton fez um gol para os irlandeses aos 6 minutos de partida e o marcador não saiu mais do 0-1. No outro jogo da primeira rodada, também viria a mostra da URSS de que não estava para brincadeira, vencendo por 1-0 a Holanda do treinador Rinus Michels, idealizador do Carrossel de catorze anos atrás, que voltava para uma nova empreitada. A recuperação dos laranjas veio na segunda rodada, quando um hat-trick de Van Basten garantiu o 3-1 sobre a Inglaterra. No outro jogo daquele dia, Irlanda e União Soviética se igualavam por 1-1.
Os resultados geraram previsões de uma espetacular rodada final: praticamente classificados, os soviéticos tinham três pontos (a vitória ainda valia dois), irlandeses idem, e a Holanda aparecia com dois. Os do Leste não teriam problemas contra uma Inglaterra desfeita em migalhas, mas os outros dois componentes do grupo definiriam a vaga num confronto direto valendo a sobrevivência. No dia 18, às 15:30, começava a terceira derrota em três jogos do English Team, que seria facilmente dominado com um 3-1. Também tinha início a dramática partida do Parkstadion, em Gelsenkirchen: diante de mais de 60 mil espectadores, o Irlanda-Holanda. O empate era irlandês. O empate foi irlandês até os trinta e sete do segundo tempo. Então Kieft emergiu e fez 0-1 para a classificação neerlandesa.
A semifinal do dia 21 reservou um confronto com jeito da década anterior. Uma vez mais, Alemanha Ocidental e Holanda se confrontariam, cada uma com algumas das maiores estrelas do seu tempo – no lado laranja, havia o lendário trio do Milan, formado por Rijkaard, Van Basten e Gullit. Jamais existiu predominância de alguma parte, ainda que o time da casa criasse algumas chances a menos. Somente gols de pênalti mudaram o marcador no Volksparkstadion de Hamburgo, e havia sido um para cada lado: Matthäus para os locais aos 55 minutos, Ronald Koeman para a Holanda aos 74. A balança até então praticamente equilibrada pendeu totalmente para o lado visitante depois do empate. Mesmo assim, a vitória tardou, e começava a parecer impraticável no tempo normal. Aí Van Basten marcou. Aos quarenta e quatro do segundo tempo. 2-1 Holanda, vaga na final. O drama não se repetiu no dia seguinte, quando a União Soviética teve extrema facilidade para despachar a Itália com um 2-0 e forçar a repetição do encontro visto na primeira fase, valendo troféu – o último troféu do qual a Seleção da URSS se aproximaria.
A final da Euro fez por merecer as expectativas, levando ao Olympiastadion de Munique 72.308 espectadores no 25 de junho de 1988. Sobre o gramado, um jogo franco, de ataques mútuos, vitória indefinida, bolas na trave para os dois lados. Mas a Holanda tinha mais time. E, aos 33 minutos, saiu na frente em cabeçada certeira de Gullit. Via-se imparável. Na etapa complementar, a antologia: Van Tiggelen passou a bola para Muhren, Muhren cruzou alto, mal. A bola foi para além da segunda trave, no canto da área, com pouco ângulo. Lance ruim. Não para Van Basten. Com um espetacular tiro de primeira, voleou para mandar a pelota cruzada, encobrindo o bom arqueiro Dasaev. Assinalava 2-0 e dava ao futebol um dos mais espetaculares tentos já convertidos em decisões de alto nível. A Holanda dos três craques do Milan, do revolucionário Rinus Michels, conquistava seu primeiro e único título. E a Europa, com o vice-campeonato de uma nação inexistente a seguir, teve seu último torneio com o continente dividido.
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