quarta-feira, 7 de maio de 2008

Torcedores

Do seu pai, o menino torcedor do Fluminense ouvia histórias de times argentinos pisando no Maracanã para disputar um torneio da América do Sul. Ferro Carril, Argentinos Juniors, times distantes da sua realidade, que o jovem desconhecia, inocentemente. O pai dizia que, naqueles tempos idos de 1985, a tal Libertadores ainda não era um grande objeto de desejo entre os clubes cariocas, mas o sucesso do Flamengo em 1981 tinha tornado questão de honra brigar pelo título – e era por isso que o Flu tinha que tentar chegar no torneio outra vez, através da Copa do Brasil.

Para o menino, vencer o jogo do dia nas Laranjeiras já bastava para ser feliz. Naquele 10 de dezembro de 1992, presenciou o time fazendo 2-1 no Internacional e sorriu. Três dias depois, meio indiferente, viu o pai maldizendo o árbitro, que concedera um pênalti ao mesmo Inter, agora no Beira-Rio, aos 88 minutos de confronto – na cobrança, Célio Silva faria 1-0 para os gaúchos. O título do Fluminense morria a poucos minutos do fim, dolorosamente, e a vontade de voltar à Libertadores, onde as campanhas tricolores haviam sido tão pífias, não seria saciada.

O pai chorou. Mas o Torcedor era jovem demais para entender a importância daquilo. Alguns anos depois, já suficientemente ligado às voltas da bola e ao seu Fluminense, ele sofria vendo o time rebaixado em três temporadas nacionais consecutivas. Em 1996, ficou envergonhado, porém aliviado, pela virada de mesa que o salvou; mas em 1997 e 1998 não foi possível alterar os resultados de campo, e o Flu, seu Fluzão, o time das tardes felizes de infância, encerradas nelas próprias, despencava à Série C brasileira.

Ele chorou. Mas agora, entendia a importância de apoiar a equipe em todas as horas, de não abandonar nem diante da maior dor, de não ser um aficionado de moda, um egoísta que só assume as cores do clube pelas doces horas após uma vitória. E, na Série C, foi a todos os jogos que pôde nas Laranjeiras de sua infância. Ajudou a reerguer seu Fluminense, na base do grito, do olhar aflito, dos xingamentos eventuais, da presença constante. O Torcedor, os Torcedores, fizeram o Fluminense voltar a ser grande, depois das desilusões, depois dos fracassos.

O acanhado antigo estádio do clube cairia em desuso a seguir, sepultado numa lembrança carinhosamente guardada. Permaneciam os objetivos de seu pai, outrora incompreensíveis, agora compartilhados pelo Torcedor: jogar uma Libertadores. Em 2005, como em 1992, passou tão perto, era só derrotar o Paulista na decisão da eliminatória nacional. Porém, depois de levar 2-0 em Jundiaí, o Flu se via obrigado a jogar em território inimigo, São Januário, para tentar a remontada. Saiu de campo com um zero a zero, vice-campeão outra vez. Foi triste, mas dessa vez não houve lágrimas, não tanto quanto em jornadas passadas. Ao fim da partida, o Torcedor, ao lado de desconhecidos companheiros de arquibancada, momentâneos irmãos de sangue – vermelho, verde e branco – cantou o hino tricolor. O futuro reservaria as glórias negadas até ali. Em 2007, enfim atuando no Maraca, o Fluminense é campeão da Copa do Brasil.

E volta à Libertadores, acha o cantil d’água que tanto procurou nos vinte e três anos desérticos sem participações na máxima Copa continental. O Fluminense do treinador Renato Gaúcho e o Torcedor, amadurecidos, agora entendem o valor de disputar a América. E têm certeza de que vale a pena sacrificar um Campeonato Carioca pelo grande objetivo, diferentemente de 1985. Com momentos ao estilo dos 6-0 sobre o Arsenal de Sarandí, o Fluzão de 2008 faz o inédito: supera a etapa de grupos inicial.

Pela primeira vez, jogaria a matar ou morrer. Foi à Colômbia, sapecou 1-2 no Atlético Nacional de Medellín, e voltou para o Rio de Janeiro precisando somente empatar para uma nova classificação histórica. Do seu pai, o Torcedor ouvia que, naqueles anos difíceis, jamais se ousara pensar tão grande: chegar numas quartas-de-final sul-americanas. E respondia com a esperança e afirmações de uma atualidade melhor. Juntos, foram ao Maracanã, ver o time confirmar a passagem de fase com relativa tranqüilidade. No mesmo sentido do sentimento do menino naquela jornada de 1992, não havia preocupação, tensão. Somente a vontade de vencer o jogo do dia para ser feliz.

O Fluminense jogou mal? O Fluminense venceu, e isso importava. Somente isso. Roger, aos 52 minutos, marcou o 1-0 definitivo, e levou um sorriso ao rosto do Torcedor e seu pai. As aspirações continentais, há tão pouco restritas à busca de uma vaguinha na Libertadores, atingem um patamar inédito, só permitido àqueles que experimentam a vitória num mata-mata desses. Pela primeira vez na história, todos os Torcedores do Fluminense sentem esse sabor, e conquistam o direito de sonhar com a América.

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