segunda-feira, 10 de março de 2008

O clássico imortal

19 de novembro de 1933. Em Porto Alegre, o Grêmio lutava pelo então inédito tri-campeonato gaúcho. Uma semana antes, havia goleado o Universal de Uruguaiana, vencedor do zonal da fronteira, pelo placar de 12-2 - tinha o melhor time, tinha lendas como o goleiro Eurico Lara defendendo as suas cores e vinha na maior série invicta de sua história: 49 partidas sem perder, desde 1931. O adversário daquele dia dezenove era um certo São Paulo, da cidade de Rio Grande, classificado à decisão após um jogo sofrido contra o Novo Hamburgo, vencido apenas na prorrogação. Jogando à copeira, o time de fora conseguiu fazer a surpresa: Cardeal marcou o tento do título e a taça foi para Rio Grande com o providencial placar de 1-2.

Três temporadas depois, em 1936, num campeonato encerrado em janeiro do ano seguinte, quem alcançou a glória estadual foi o outro time da cidade. O Sport Club Rio Grande, agremiação futebolística mais antiga do Brasil, ergueu o troféu de maneira tão notável quanto os rivais citadinos. Na decisão, contra o Internacional, não venceu uma, mas duas vezes: 3-2 e 2-0.

A força do futebol da cidade era consolidada de tal maneira que as surpresas inexistiram quando, outras três temporadas mais tarde, em 1939, veio a terceira coroa regional, com um novo clube. Naquela temporada, o Gauchão sentiu a ausência da dupla Gre-Nal: tentando implantar o profissionalismo, os grandes clubes da capital passaram a jogar ligas citadinas especializadas, em detrimento aos outros torneios. Isso não foi capaz de tirar os méritos do Football Club Riograndense, representante de Rio Grande e campeão em uma final decidida em três intermináveis jogos. Diante do Grêmio Santanense, de Livramento, o título veio após dois empates (4-4 e 0-0) e a vitória que valeu a taça (3-1).

Jamais se veria, no Campeonato Gaúcho, uma década dominada por uma cidade interiorana como fora aquela. Para fora de Porto Alegre e sua Dupla, Rio Grande era o centro do estado. Mas em algum momento dos longos anos que viriam a seguir, o futebol de lá se perdeu. É bem verdade que todo o interior decaiu por esses tempos de futebol-mercenário, mas Rio Grande experimenta dias dramáticos: dos seus três times, nenhum figura na primeira divisão e, pior, o Riograndense sequer consegue entrar na Segundona, por falta de condições financeiras. São Paulo e Rio Grande sobrevivem, arrastam-se, sonham com um acesso improvável, tendo nos clássicos entre si a melhor chance de reviver a glória de dias mais ensolarados.

E ontem foi dia de clássico em Rio Grande. Não um daqueles duelos que definia o campeão da cidade e representante local no Gauchão, mas uma partida igualmente importante para o futuro de ambos, anotada como a terceira rodada da Segundona 2008. Diante de um estádio Arthur Lawson lotado, os jogadores lutaram até a última gota de suor ou de sangue. A guerra sempre existe, com as suas baixas habituais. No lado do São Paulo, Matheus foi expulso após pisar nas costas de um adversário, e conseguiu paralizar o confronto por cinco minutos ao se recusar deixar o gramado; também saiu o atacante Gilliard, lesionado no rosto. Pelo Rio Grande, sobrou até para o gandula, atingido por uma pedrada na cabeça.

Jogadas ríspidas à parte, o placar final ficou em 2-0 em favor do Rio Grande. A grandeza não foi recuperada, obviamente. O sonho de acesso segue sem ser menos que utopia e mesmo a passagem de fase não é tarefa fácil. Mas com a bola rolando, nos 90 minutos do jogo de ontem, vencedores e vencidos tiveram lampejos de glórias que um dia foram suas. A luta, válida por um mero jogo de fase inicial em divisão inferior, em nada se diferenciou daquelas que em outros tempos estiveram valendo o posto máximo gaúcho. Se os dias bons são parte do passado, o espírito do clássico é imortal.

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