segunda-feira, 30 de junho de 2008

Heróis de gerações

Por essas horas o avião que leva a Seleção Espanhola de volta para casa já deve estar pousando no aeroporto de Barajas, em Madrid. O time que chega encontrará um país diferente. Se num outro 29 de junho, o de 1958, o Brasil perdia o seu complexo de vira-latas, erguia sua primeira Copa do Mundo e passava a acreditar em si próprio, o domingo de cinqüenta anos depois representou um alívio semelhante para a Espanha. Recordes inéditos de assistência televisiva, comemorações por todos os cantos e, principalmente, vitórias do combinado vermelho, tornaram patéticas as teorias que relacionavam o fracasso do futebol de lá a uma falta de unidade nacional.

Todos a una por la Roja, clamou o diário Marca ao longo da campanha inteira na Euro. Ontem, concluindo uma crescente vinda desde a primeira partida, todos estiveram unidos pela alegria. E acompanharam a partida deslumbrados, vendo a Espanha dar um baile. Sete chutes a gol contra apenas um da Alemanha. Domínio pleno. O terror que Javi Pérez Sala narrou em alguns dos poucos ataques germânicos foi efêmero. Um a zero para a Espanha, o placar final, ficaria honroso para os derrotados. Ao belo gol de Fernando Torres, anotado aos 33 minutos, deveriam ter sido somados outros tantos, não fossem detalhes. Mas finais não são feitas para se golear, para jogar um futebol bonito (embora ele tenha se feito presente) ou dar espetáculo: finais estão para ser ganhas.

Os adversários conheciam bem essa máxima. A Alemanha, afinal, é especialista no que concerne ao pragmatismo pelo triunfo – “o futebol é um esporte em que jogam onze contra onze e no fim ganha a Alemanha”, diz a frase proferida certa vez pelo inglês Gary Lineker. Repetida com temor pela imprensa ibérica durante a semana, a sentença é agora ironizada: desta vez, ganhou a Espanha, ganhou o time que, até duas semanas atrás, ainda carregava nas costas o peso de um conceito prévio de que seria mais um engodo cuja eliminação viria a seguir. Agora, por essas horas em que o desembarque em Barajas deve se desenrolar, o capitão Casillas, dois gols sofridos em cinco partidas jogadas na campanha (no 2-1 sobre a Grécia, atuou Reina), repetirá o gesto de ontem e erguerá a taça, diante do seu povo – ela será enfim deles, de todos os espanhóis, daqueles que suportaram as décadas de amargura para se desfazer definitivamente de qualquer fantasma no inesquecível domingo 29 de junho de 2008.

A taça é apenas um símbolo de uma conquista maior. A partir de ontem, a Espanha não será mais a candidata a amarelar nos torneios continentais e mundiais. Entrará respeitada, vista realmente como capaz de avançar através dos mata-matas e, lá no fim, ser coroada campeã. A Espanha não ganhará todos os torneios a partir de agora. Como para aquele Brasil de 1958, novas decepções virão com o tempo, mas a constituição de uma tradição vitoriosa cria um respeito que não se apagará tão facilmente. Vamos a ganar, vamos a ganar, vamos a ganar, berrava Javi Pérez Sala na COPE, ontem, a dois minutos do fim da partida. Era o grito preso de gerações de espanhóis que cresceram e amaram o futebol acreditando nas eliminações como uma sina próxima do imutável.

Já não serão mais histórias distantes as glórias da Fúria. Os feitos desses heróis de 2008 estarão na lembrança de cada torcedor como um exemplo para acreditar que a época dos fracassos passou. ¡Que viva España!

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Áudios (COPE):

Escalações
Hinos
Gol
Entrega da taça

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