Palco maior das Olimpíadas de Moscou em 1980, com suas arquibancadas invariavelmente lotadas, o antigo Estádio Central Lenin, atual Luzhniki, pouco lembrava a imponência dos grandes públicos naquele 20 de outubro de 1982. A data reservava o confronto de ida da segunda fase da Copa da UEFA 1982/83, entre o Spartak local e o Haarlem holandês, mas o frio, vento e neve afastaram os torcedores: apenas pouco mais de 10 mil pessoas presenciaram o encontro.
Por saber do desinteresse e para poder fazer um controle maior dos documentos de quem ia ao estádio – na época, jovens menores de 16 anos não podiam comparecer desacompanhados de adultos a eventos noturnos –, a polícia liberou apenas um portão para entrada e saída dos aficionados. E era para lá que boa parte deles se dirigia quando o confronto se aproximou do apito final: o Spartak vencia por 1-0, e muitos decidiram deixar aquela friagem mais cedo. Aparentemente, nada de mais interessante aconteceria no jogo.
“Seria melhor que eu nunca tivesse marcado aquele gol”, diria, tempos depois, Sergey Shvetov, então jogador do quadro moscovita. Foi por obra dele que, nos acréscimos, a partida quase morta ganhou novos tons, o Spartak fez 2-0, e os torcedores se puseram a festejar. Nos corredores de saída, apressadamente, vários decidiram dar meia-volta para acompanhar os últimos lances da vitória, chocando-se com aqueles para os quais o gol não mudara a vontade de ir embora. Com as escadarias perigosamente cobertas por gelo e um fluxo de direção dupla num caminho apertado, estava feita a tragédia. Como num efeito dominó, uns caíram sobre os outros, sendo presos ao aço retorcido dos corrimãos, pisoteados pelos que conseguiram manter o equilíbrio. Sob pilhas de corpos, houve quem tentasse, sem sucesso, estender a mão aos que se safaram, tentando ser puxados para fora do horror. Rapidamente, quando o jogo acabou, outras saídas foram abertas, a torcida holandesa foi retirada do estádio, e ambulâncias se destinaram ao setor do desastre, para um recolhimento rápido dos mortos e feridos
A despeito das mortes, no dia seguinte, a imprensa oficial, controlada pela ditadura soviética, reportou os acontecimentos como um “acidente no qual alguns torcedores saíram feridos”. Nada mais. Com o presidente Leonid Brezhnev doente, vindo a morrer três semanas mais tarde, não convinha às lideranças comunistas a divulgação de más notícias. Apenas treze dias depois do ocorrido os corpos das vítimas foram liberados às famílias para um funeral coletivo, em enterros executados em menos de uma hora.
A partir dali, proibiu-se a realização de jogos no Luzhniki em outubro, de modo a evitar que os parentes tivessem acesso ao estádio para depositar flores, velas ou qualquer coisa que pudesse lembrar as perdas – e trazer os fatos à tona. Como bode expiatório, foi escolhido Panchikhin, administrador do estádio havia menos de um trimestre, punido com 18 meses do famigerado “trabalho corretivo”.
O caso permaneceu às sombras e sem explicações completas por anos. Os próprios jogadores do Haarlem, visitantes presentes no dia da tragédia, sequer souberam o que acontecera no 20 de outubro, além da sua derrota. Apenas em 1989, enquanto a União Soviética se desmantelava e a censura já cambaleava, o diário Sovietsky Sport pôde contar a história, escrevendo abertamente sobre aquilo que se tentara esconder. Oficialmente, então, admitiu-se a morte de 66 pessoas, mas casos de famílias cujas perdas não teriam sido consideradas elevariam o número para 340 vítimas, o que seria o maior desastre da história do futebol, superando os 318 mortos no estádio Nacional de Lima, no Peru, em 1964.
Após o fim do controle de informações e da própria URSS, no início dos anos 1990, foi enfim construído um pequeno monumento às vítimas reconhecidas oficialmente e, em 2007, equipes de veteranos dos dois clubes envolvidos naquele jogo fizeram um novo duelo, em memória (à esquerda, logo do evento). Ainda assim, o estádio avaliado hoje com “5 estrelas” pela UEFA e eleito para sediar a final da Champions League nesta quarta-feira, permanece com sua maior tragédia escondida nas névoas do esquecimento. Os torcedores de Manchester United e Chelsea, levados a Moscou pelos seus sonhos de um dia de festa, poderiam, ainda fora do Luzhniki, parar para prestar suas homenagens àqueles que, como eles, estavam lá por uma jornada de futebol – mas no momento errado.
Um comentário:
Muy interesante, no conocia la historia...
Por otra parte me parece un buen ejemplo de como solo las democracias son juzgadas por sus hechos, mientras a las dictaduras les basta con esconder sus miserias...a veces creemos que vivimos en los peores paises del mundo, cuando lo que sucede es que las cosas malas que suceden en los nuestros, se saben, cosa que no pasa en otros...
Un saludo ;-)
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