sexta-feira, 11 de abril de 2008

Unir um país

O Getafe uniu a Espanha em torno dele. A princípio, pode parecer uma afirmação piegas, tentando converter o clube azul num humilde representante da nação que acabou por conquistar a simpatia de todos. Mas é muito mais que isso. Para entender o feito do Geta, é preciso, antes, entender a Espanha.

E a Espanha não é um país, mas vários. Hoje, a divisão ocorre em comunidades autônomas, reflexos de um passado com instintos separatistas carregados desde tempos imemoráveis e reforçados durante o período franquista. Os muitos retalhos que formam uma das mais prósperas nações européias da atualidade ficam explícitos no futebol, com cada região representada a tope por uma equipe – para ficar nas principais, peguemos o Centro, com o Real Madrid, a Catalunha, com o Barça, ou ainda o País Basco, onde se encontra o emblemático Athletic Bilbao, admitindo apenas jogadores bascos desde a sua fundação, no século XIX!

Há uma etcétera de outros clubes que ostentam, ao lado do escudo da agremiação, a bandeira de onde vêm. As rivalidades, naturalmente ferrenhas dentro de campo, se vêem fortalecidas pelo que vem de fora dele. Embora os ventos do separatismo venham soprando como brisa sobre a Espanha e o respeito às liberdades regionais – línguas, bandeiras, estatutos internos próprios – seja uma conquista, é nítido que a vontade de independência, nem que seja futebolística, com a criação de seleções “nacionais”, permanece.

Eis o grande feito do Getafe. Ontem, da Galícia à Catalunha, do País Basco à Andaluzia, na Comunidade Valenciana, no Centro, onde o jogo ocorreu, ou em qualquer ponto espanhol, havia alguém torcendo e se emocionando pelo azulón. Até mesmo o Rei Juan Carlos esteve presente no palco do jogo. Por um dia, ou um jogo, toda a Espanha, em maior ou menor escala, foi aficionada do Geta.

Se no Coliseum Alfonso Pérez, pequeno estádio de um clube que jamais imaginara chegar tão longe, cabiam apenas 17 mil pessoas, a televisão contava uma audiência de 11,3 milhões de espectadores na hora de pico – simplesmente três milhões a mais que a melhor média na final da Copa da UEFA da temporada passada, que confrontava “apenas” dois times da própria Liga Espanhola, o Sevilla e o Espanyol.

Não há precedentes na história para um clube de futebol ser capaz de juntar rivais e desafetos. A neutralidade do Getafe ajudou, é claro, mas o que conquistou a todos foi a sua mostra de crescer frente às adversidades, de sonhar com um ideal que se tornou comum. Uma comoção que nem mesmo a Seleção Espanhola, em Copas do Mundo, foi capaz de proporcionar.

O time saiu da noite eliminado, mas a sua conquista merece a história. Pelo período de duas horas, aquelas em que a bola rolou no gramado do Coliseum, as muitas “espanhas” vislumbraram um mesmo objetivo. Enquanto o árbitro não dava o ponto final ao confronto, um país experimentou a união. Por isso o Getafe foi saudado como herói, apesar do resultado. Por isso, quando o confronto terminou, pôde-se ouvir, em todas as partes da Espanha: Gracias, Geta.

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