sábado, 26 de abril de 2008

Bipolar

A vida do Beto era uma notória montanha-russa de emoções. Comunicativo, extrovertido, os amigos sempre o viam de uma forma divertida.

Metia-se em qualquer conversa, brincava com todos, por vezes chegava a ser inconveniente, mas era o jeito dele. Certa feita, apareceu na porta da casa de um primo às quatro da madrugada, buzinando e convidando para uma viagem até a Argentina, nascida duma idéia que tivera naquela noite.

Nesses momentos, Beto sentia-se poderoso, capaz de tudo. Para ele, não haviam limitações – muito menos financeiras. De todas as partes, brotavam aproveitadores participando de suas festinhas ou pedindo algum tipo de ajuda. Sempre saíam satisfeitos.

Mas em outras vezes, o Beto sumia de circulação. Ninguém sabia o que ocasionava aquela repentina mudança de humor ou o que se fizera dele, então algum mais informado vinha com a notícia de que Beto, o amigo de todos, inconseqüente mas sempre em aparente felicidade, estava trancafiado num quarto escuro. Depressivo, cogitando o suicídio. Sem forças para tanto, aos poucos vivia nova inversão do quadro.

Passaram alguns anos até compreenderem o que o Beto tinha. O jeito dele, afinal. Havia se tornado tão corriqueiro, deviam ser apenas fases. Não eram. Na sua etapa mais eufórica, recusou-se a ouvir os conselhos dos parentes, distanciando-se e optando por ficar ao lado dos aproveitadores tomados por amigos – eles me entendem. Saía de casa sem hora para voltar, às vezes partindo numa das tantas viagens despropositadas, reaparecendo dias depois.

Sofria de distúrbio bipolar, o Beto. Enfim rompendo a idéia de normalidade, a família buscou ajuda médica e psiquiátrica para chegar à resposta. Aí foi uma luta. Beto negava a situação, não aceitava seguir com as análises e duvidava da necessidade de manter as medicações recomendadas. Um martírio de chantagens emocionais, semanas perdidas na angústia, tentativas e erros. Até acertar as doses. Até fazer a oscilação entre a euforia e a depressão cessar.

No caso do Grêmio, a tal dose ainda não foi encontrada. Num 24 de abril de 2007, um Olímpico lotado via o time aplicar 1-0 no Cerro Porteño paraguaio e passar às oitavas da Libertadores – eufórico, entre os grandes do continente, o azul, preto e branco se acreditava mais poderoso do que a realidade e a campanha acidentada mostravam. Hoje, um ano e dois dias depois, nada resta ao Grêmio do seu primeiro semestre em 2008. Eliminado e humilhado por adversários de qualidade questionável, o depressivo tricolor tem, às 15:30 deste sábado, um amistoso contra o irrelevante Ivoti, equipe amadora, dotada de craques como Pataço e Banana.

Um treino seria mais produtivo. A única utilidade da partida, além de gerar justas piadas dos colorados, é marcar o momento gremista. Em um ano, glória e euforia deram lugar à vergonha e depressão. O Grêmio é um bipolar sem tratamento.

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