sábado, 25 de agosto de 2007

Garoto

Por Carlos Drummond de Andrade, no periódico carioca Correio da Manhã, a 13/01/1965

Tinha um sonho na cabeça: assistir a uma partida de futebol. Assistir mesmo, não esse faz-de-conta de televisão ou transistor. O pai dizia que ele era muito pequeno para ir a um estádio. No seu país, jogo não é essa farra de juiz expulsar jogador, e jogador sair às gargalhadas; o time que perde costuma ser trucidado pela torcida, e nas arquibancadas vale tudo. Longe do campo, sabia os nomes de todos os campeões mundiais, os escores de todos os jogos de campeonato, colecionava escudos, flâmulas, fotos, signos de uma realidade que lhe era vedado conhecer de perto. Num aeroporto viu Didi sentado, à espera de avião. Chegou-se até ele, trêmulo, sem palavras. Pelo menos vira um jogador. Veio para o Brasil com a antiga ambição: ir a um jogo qualquer. Por falta de sorte, o campeonato acabara, Maracanã fechado. Afinal, anunciaram o Santos x Botafogo. "Quem me leva?" Ninguém queria levar. Chovia fino, melhor ficar em casa, vendo na TV. Apareceu um primo grande, que o via pela primeira vez, e teve um gesto: "Você vai comigo e com a minha noiva." Foram. Não dizia nada, de tanta emoção: o primeiro jogo de sua vida! Logo no Maracanã. E com Pelé e Garrincha. Era matéria para lembrar a vida toda. Mas lembrar só, não. Como dizer aos amigos, em seu país, que vira aquilo tudo? Como provar a si mesmo, mais tarde? Precisava guardar aquela hora gloriosa. Pegou do pacote de balas, desembrulhou uma, alisou o papel com todo o cuidado, dobrou-o, guardou no bolso. Em casa, não quis comentar o jogo; era bom demais para caber em uma palavra. Desdobrou o papel e com a letra mais caprichada escreveu nele: "Mi primer partido de fútbol."

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