domingo, 12 de abril de 2009

À vitória, Milan!

Não é bonita a campanha do Milan nesta Segundona Gaúcha de 2009. Antes deste domingo a equipe de Júlio de Castilhos contabilizava dois pontos em seis rodadas, não sabia o que era vencer uma partida e nem mesmo o que seria sair com vantagem no placar. Em sua caminhada trôpega, o rubro-negro iniciou todas as suas partidas perdendo. Recuperou duas vezes, em casa, e daí os seus empates. As outras, perdeu. Desgraçadamente, perdeu até para o Lajeadense, que até então carregava um aproveitamento de zero por cento. Mas não era isso que enraivecia o seu Luís Rocha hoje, no estádio Miguel Waihrich Filho.

“Olha aí que vergonha, me deixaram com três litrões de refri, só”, dizia o seu Luís, emendando que abandonaria o estádio no intervalo, porque o estoque ia acabar e naquele calor a coisa ia ficar feia. Ele é o responsável pela Copa do pavilhão do estádio de Júlio de Castilhos. A Copa: um freezer com alguns litrões de Coca, Fanta e, se for um dia de sorte, alguns pacotinhos de Chips. Nada de água. E, neste domingo, mesmo o refrigerante escasseava. Tinha razão, o seu Luís. Mesmo sendo o pavilhão coberto, o sol das três e meia da tarde, horário da partida, esquentaria o ar o suficiente para secar as gargantas da torcida milanista, que faz questão de ter sua voz ouvida durante os noventa minutos.

São espetáculos de frases, as arquibancadas do Waihrich Filho, algumas delas dirigidas ao treinador Valduíno que, apesar dos maus resultados, segue lá, firme, forte e muitíssimo confiante. Enquanto seu Milan e o visitante Atlético Carazinho aqueciam, o técnico dos rubro-negros dissertava numa rádio local sobre a sua coragem de botar a cara a tapa, num time sem recursos, e não tinha medo de arriscar alguma previsão sobre o próprio futuro: “ainda vou treinar um clube grande, e aí vou voltar pra encerrar a carreira aqui no Esporte Clube Milan”. Falta só aparecer o clube grande.

Alguns torcedores devem ter desanimado ao ouvir a sua vontade de acabar a trajetória no futebol comandando uma futura equipe milanista, daqui a vários anos. Há duas semanas uma faixa negra pedindo a saída de Valduíno da casamata do Milan podia ser vista nas gerais pelas bandas dos cinamomos, e desde aquele empate copeiro contra o Santo Ângelo nada de muito melhor aconteceu. Hoje o turno seria fechado. Por mais que as desculpas sejam aceitáveis e, no caso de uma equipe fraca como é essa de Júlio de Castilhos, a mão do treinador pese menos, um turno inteiro sem vitórias exige ações da diretoria.

Tinha que vencer o Atlético Carazinho, o Milan. Urgia que vencesse. E conforme o jogo andou os torcedores presentes concluíram que, de fato, seria neste domingo ou não seria mais.

– Vocês têm que entender que o time deles é pior que o nosso – berrou um aficionado, querendo ser ouvido pelos jogadores.
– E se não ganhar deles, não ganha mais de ninguém! – tentou outro.
– Mas parece que, quanto pior o adversário, pior joga o Milan – decretou um terceiro, para assentimento dos demais.
– Aí aparece um time que tem SÓ UM JOGADOR QUE PRESTA, como o Glória, e nos goleia – fechou o papo outro torcedor, cansado de ver o time jogando direitinho mas sem apresentar diferenciais.

O Atlético esqueceu que deveria entrar em campo. Ou, pelo menos, que deveria jogar bola. Só deu Milan no primeiro tempo, não tanto pelas chances, mas pelo volume de jogo. Os carazinhenses levavam perigo em cruzamentos fechados e sortudos, sem grande consciência. Seu grande lance foi um contra-ataque no fim do primeiro tempo, uma jogada em que cinco ofensivos seus encaravam três defensores da casa, mas que morreu quando o dono da posse de bola escorregou bisonhamente no círculo central.

Em suma, os de fora não mostravam futebol. E o futebol apresentado, o do time da casa, ainda era pouco para gerar um entusiasmo maior. Destacou-se, então, o obeso árbitro da tarde, que corria como “uma ema grávida”, nas palavras de um torcedor, acompanhando o embate de longe. Valduíno, desde já nosso herói, sugeriu ao bandeirinha que o trio fizesse “uma física”, pois era vergonhoso que o apitador estivesse mais gordo que ele, técnico.

Triste, a vida desses bandeiras de Segundona. Em Júlio de Castilhos, não bastando arriscar o pescoço rente ao alambrado, o senhor do estandarte também precisa aturar o treinador da casa fazendo broma. Pouco depois o árbitro mandou os jogadores para os vestiários com o apito do intervalo. A torcida aconselhou Valduíno a pensar bem no que faria durante aqueles quinze minutos, mas outro anônimo lascou: “se ele pensar bem, não volta nenhum jogador”. Estava deprimindo, aquele 0 a 0. Alguns concordaram que só bebendo para aguentar a continuidade da partida. Desconheciam a profecia feita pelo seu Luís ainda na preliminar.

Durante os quarenta e cinco primeiros minutos a Copa-freezer do pavilhão resistiu bem. Os copinhos de refrigerante, vendidos a um real cada, davam crias nas mãos dos torcedores, o mundo parecia perfeito e justo. Mas ao meio-tempo quebrou o bolicho. “O time é uma vergonha e a Copa também!” Acabaram-se as três garrafas de refri, a única coisa bebível vendida por ali. Nem os policiais tiveram refresco, e bem que tentaram mandar um porta-voz até as arquibancadas para perguntar se havia algo. Restava aguardar o segundo tempo.

Solitário, antes do time, Valduíno subiu calmamente as escadarias do túnel e foi na direção da sua casamata. Preparava-se para o segundo tempo. E ouvia a torcida:

– Que fria tu entrou, hein Valduíno? É difícil tu olhar pros lados e não ver ninguém pra botar, né?

Treinadores geralmente ignoram as vozes das arquibancadas. Escutam xingamentos, raros elogios, dependendo do estádio podem até levar alguns respingos de conselhos dos aficionados e segui-los, para tentar agradar, mas o mais provável é que reajam com arrogância – quem entende sou eu. Por isso, quase nunca interagem. Valduíno, ao contrário, virou-se para as arquibancadas, gesticulou como se pedisse calma e disse:

– Vai dar, espera que vai dar.

A princípio pareceu só uma frase para enrolar crítico, um me-dá-um-tempo-que-eu-não-posso-resolver-tudo-agora, mas o segundo tempo deu algum crédito para pensarmos que o treinador sabia o que dizia quando anunciou uma etapa final decente. As três substituições feitas transformaram o Milan num terror ainda maior para o Atlético, que até voltou propondo um jogo menos recuado (teve um gol anulado por impedimento aos 52 minutos), mas logo foi engolido pelos de Júlio de Castilhos. O camisa 14 Bruno entrou espetacularmente bem pela lateral-esquerda, e o 15 Guilherme exerceu função interessante no meio. Dos que já estavam em campo, o camisa 11, cujo nome não sei (Vaguinho?), e o 10 Amauri lideravam as investidas da equipe ao ataque.

Na melhor delas até ali, Bruno armou o lance que terminou com um chute no pé da trave direita do goleiro carazinhense, aos 68 minutos. Sete voltas do ponteiro mais tarde, foi o camisa 11 que transformou um contragolpe fulminante do Milan em possibilidade de vitória. Ele invadiu a área pela esquerda, perdeu um pouco o controle da bola, meio que tropeçou no campo ao mesmo tempo em que era empurrado por um zagueiro, e despencou na grama convencendo o árbitro de que aquela coisa duvidosa merecia a marcação de um pênalti. Na cobrança, outro reserva, o 18 Willian, fez 1 a 0 para a equipe da casa – a primeira vez na temporada que o Milan começava uma partida vencendo.



Logo depois, o imparável camisa 11 que cavou o pênalti abriu o festival de expulsões que fez um joguinho tranquilo virar um legítimo recital de Segundona – o cartão vermelho mostrado para o estimado BALAIO aos 79 minutos, num lance de estupidez gigantesca, foi o primeiro dos CINCO que apareceriam até o fim da tarde. Repito: já eram SETENTA E NOVE minutos. Balaio conseguiu a proeza de ser mandado para a rua num lance em que sofreu falta: depois de ser derrubado com alguma truculência pelo 11, levantou-se emputecido e botou o milanista no chão. Agressão, tarjeta roja. Antes das próximas expulsões, o Milan assegurou a vitória com um gol de Amauri, aos 83 minutos, recebendo livre um passe dentro da área e batendo rasteiro quando o goleiro tentava sair.

Na Páscoa, a ressurreição do quadro de Júlio de Castilhos, como bem observou um radialista de lá. O 2 a 0 não evitou que o time permanecesse com vontade de viver perigosamente, e aí as boas alterações de Valduíno, jogadores que poderiam ser titulares na próxima rodada que, pela tabela espelhada, será contra o próprio Atlético, em Carazinho, tornaram-se ausências a serem sentidas. Em quatro minutos, quatro cartões vermelhos – três para o Milan. Aos 89, sobraram cotovelos na lateral do campo, restando a expulsão para Bruno (14), dos locais, e mais um infeliz carazinhense cujo nome escapou. Aos 90+1, Didi (2) foi o segundo expulso do Milan – e o único que iniciou o jogo na equipe titular –, mandado pro chuveiro supostamente por chutar uma bola em cima dum oponente. Finalmente, aos 90+3, Guilherme (15) levantou um do Atlético na altura do meio de campo, concluindo o desmanche meteórico da equipe. Os três sentaram-se na boca do túnel, esperando o apito final (foto do topo).
Hoje os de Carazinho não tiveram recuperação. Mas a vida lá fora é diferente. Será complicada, cruel, e sem tantos recursos humanos utilizados hoje. Valduíno afirmou, para desvalorização completa dos seus esquentadores-de-banco, que espera que os próximos reservas joguem “pelo menos metade do que os companheiros”. Que joguem. Que a recuperação do Milan, que começou a temporada sob dificuldades enormes, fazendo um acordo complicado com os jogadores – um mês apenas pagando alimentação e moradia, sem salários –, não fique na vitória deste domingo e siga. Que o time passe de fase, ganhe algum dinheiro e, aí, quem sabe, o seu Luís tenha mais que três garrafas de refri para molhar a garganta dos torcedores que não se mixam para qualquer campanha ruim e vão ao Waihrich Filho acreditando em vitórias. Sempre, mesmo com quinhentas expulsões por jogo.

4 comentários:

George disse...

Tópico digno de imprimir e enquadrar na parede da sala "das visita".
Parabéns!
A "ema grávida", a "copa-freezer" e a marcação implacável ao anti-herói Valduíno são algumas das tantas pérolas deste primoroso texto.

Na parte "séria", "gracias Dios por darme internê y blogs". Quando eu teria acesso aos detalhes deste jogo? E parem com isto, senão acabarei me tornando torcedor do Milan.

Impressão minha ou o "pavilhão" é composto por 3 degraus?

Abraços!

Maurício Brum disse...

Continuamos peregrinando pelos estádios da Segundona, sempre que possível. Dos cinco pontos que o Milan ganhou no campeonato, quatro foram comigo no estádio... e sempre com garra. Meio que adotei o time pra esta temporada, vamos ver se o Valduíno consegue fazer um estrago no returno.

Pelo que as rádios noticiavam, o Milan vai ficar famoso. Parece que a Globo vai pra Júlio de Castilhos fazer uma reportagem em breve, provavelmente pelo nome do clube.

E o pavilhão tem quase o dobro do tamanho: são cinco degraus! hehehe

abraço

Ariel disse...

Maurício: você faz-nos amar a Segundona!!!

Excelente como sempre.

Isso é futebol puro, sem sponsors nem dinheiro nem jogadores milionarios.

A magia da internet faz me tê-lo perto ainda que eu mora a milhares de quilómetros.

Eu va a torcer para que o Milan ganhe mais jogos durante o segundo turno do campeonato!

abraços

Argemiro Luis disse...

Parabéns por mais um brilhante texto. A segundona gaúcha, assim como a primeira divisão, está mais valorizada com vocês escrevendo sobre a mesma. Continuem! Parabéns igualmente ao esforço de todas as comunidades que lutam para manter suas equipes nesses campeonatos, mesmo que alguns torcedores radicais, as vezes, mesmo que inconscientemente acabem atrapalhando o trabalho da maioria.
Argemiro Luís