quarta-feira, 29 de abril de 2009

Queremos (ver) a Côôôpa

Com fotos de Iuri Müller*

Cheguei ao estádio às 19:28. Foi meio estúpido. Eu ainda procurava um lugar vago, que não encontrei, nas sociais do Olímpico, e entorpecido pela imagem da Geral do Grêmio acendendo seus sinalizadores, bem do meu lado, sequer constatei que a partida havia começado. Quando me virei para o campo, lá estavam os tricolores e os camisas-feitas-de-toalhas-de-piquenique dividindo pelotas pelo gramado e a torcida acompanhando. Senti-me levemente alienado, mas devo ter perdido não mais que trinta segundos do jogo.

Minha ignorância em relação ao início do confronto entre Grêmio e Boyacá Chicó, pela última rodada da fase inicial da Libertadores, é explicada pela viagem. Até a manhã de ontem eu estava conformado em ver o quadro-colombiano-do-nome-divertido só pela tevê. A ideia de botar uma mochila nas costas, pegar o ônibus das 14 horas e me bandear para Porto Alegre nasceu durante a aula de ontem, na sala 5136 da FACOS, quando do anúncio de que na quarta-feira não haveria aula. Eu poderia pensar numa manhã de sono, numa noite com coisas diferentes por fazer, mas só me veio à cabeça a imagem da Copa.

Por que não ir para lá ver uma rodada continental? Fui. Dinheiro no bolso, outro tanto na meia, pois assaltos são reais e somem com teus reais, celular, chaves de casa, documentos e passagem. Não precisaria de mais. Mas levei uma mochila, um pouco temeroso da possibilidade de tê-la barrada na entrada do Olímpico, para abrigar as leituras que me salvariam da modorra após a partida – do fim do jogo para o primeiro ônibus de volta a Santa Maria, à 1:30 da madrugada, seriam quatro longas horas. E o tédio torna até uma leitura densa como O Declínio do Homem Público, de Richard Sennett, algo quase aprazível.

Se tudo desse certo, eu desembarcaria em Porto Alegre oitenta minutos antes da partida. Desgraçadamente o ônibus atrasou pelo caminho, e me deixou na Rodoviária com metade desse tempo. Num fim de tarde, em jornada de Libertadores, não havia garantias de vencer o trajeto naquele período. Os problemas de tráfego anunciados na contracapa da Zero Hora do dia se confirmaram, e o meu taxista, que ademais de não bater muito bem das ideias parecia ter um olho de vidro, decidiu desligar o taxímetro e fechar a corrida por vinte reais, piedoso. Durante todo o caminho ficou saudando as moças que passavam ao lado do carro, e a certa altura me questionou se havia muitas prostitutas em Santa Maria e as médias de preços.

Deve ser algo na minha cara. Não bastam as ciganas, agora os taxistas vêm com essas conversas. Mas enfim, dei uma enrolada. A corrida de vinte reais terminou quase em cima da hora do jogo, e o meu ingresso no estádio foi atrasado não pelo que eu previa – a encadernação dentro da mochila, já que papel corta e, pela mesma lógica de que garrafas pet são armas letais, poderia ser usado para decepar o braço de alguém –, e sim por algo que nem me lembrava: o estojo dos óculos.

Sim, o estojo dos óculos. Estava ali dentro para guardá-los nos momentos em que eu precisasse entrar em quadra para defender as cores do nosso time de futsal, o glorioso COIÓ FC, no Torneio Aberto Misto Para Alunos da Comunicação Social (TAMPACS), disputado no final de semana. A campanha de eliminado do Coió não interessa – “vencemos o clássico e a barra está feliz, ponto”, nas palavras do Iuri –, o importante é que eu perdi bons dois minutos para convencer o guarda que fez a revista de que não, não usaria um estojo de quatrolhos para matar outro torcedor, e passei pelo portão do Olímpico pontualmente às 19:28.

Perdi o início da partida, acomodei-me no último degrau das sociais, no lado mais próximo à Geral, e de lá assisti ao primeiro tempo. Em pé. Todas as pessoas ficam em pé num jogo de Libertadores no anel inferior do estádio Olímpico. Nem tanto por querer: são obrigadas. Os torcedores junto à mureta do fosso põem-se em pé e fazem com que cada cidadão atrás tenha que se levantar também. O efeito visual é belo, mas certamente não é das experiências mais agradáveis para os sócios de mais idade.
A ação do Grêmio foi rápida, como se os jogadores quisessem desencantar e fazer todos os gols que haviam perdido nas cinco rodadas anteriores. Souza abriu o placar com um daqueles golaços antológicos que compensam toda a loucura de uma viagem como a que eu fiz e dão vontade de invadir o campo e dar o dinheiro do ingresso para o jogador. Mandou um pelotaço em curva encobrindo o arqueiro. Pouco depois, Souza novamente apareceu e fez outro gol bonito, embora menos espetacular, sendo lançado e emendando de primeira dentro da área. Léo marcou o 3 a 0 em lance de cobrança de falta aparentemente ensaiada, e já tínhamos o placar beirando a goleada antes dos trinta minutos.

Foi por essa altura que chegou o mais atrasado dos torcedores ao meu lado, perguntando quanto estava a partida e quem havia balançado as redes, e botando a mão na cabeça meio indignado por ter perdido todo aquele caminhar do confronto. Mas o Boyacá não fazia muito, ele logo percebeu, e acreditou que o massacre continuaria. A cada ataque do Grêmio, gritava “feito” ou “é gol”, e, de cada nova ofensiva, saía frustrado. Até o intervalo, os tricolores perderiam duas oportunidades claras, diminuindo um pouco o ímpeto. Estavam garantindo o primeiro lugar geral na fase de grupos da Libertadores, e gerando comentários, provavelmente nascidos de alguma tirada genial de rádio, que pediam que a gripe suína se espalhasse pelo continente, a Copa fosse cancelada e o título fosse dado ao time de melhor campanha no momento.

No aguardo de que a gripe suína vire uma epidemia de fato, os gremistas e agora inimigos da humanidade adentraram o segundo tempo vendo uma equipe menos incisiva. Souza voltou a repetir a mania irritante das partidas mais antigas, prendendo demais a bola, e a social honrou a sua fama de corneteira – o jogador, autor de DOIS GOLAÇOS NA NOITE, era literalmente hostilizado por alguns dos que estavam ao meu redor, que sugeriam ao técnico interino sua substituição imediata e um lugar eterno no banco para ele. Também o Boyacá tentou abandonar a retranca e, aos 52 minutos, conseguiu sua única grande chance de fazer algo na partida – o pênalti.“Tem goleiro, fiadapulta!” gritou ao árbitro um dos aficionados. E tinha. Caneo bateu duas vezes. A primeira, que não valeu, deu gol. Na segunda, apareceu o goleiro. O jogador do time colombiano manteve o canto, Victor saltou certo e espalmou, acabando com a disputa do jogo. Tornaram a sumir os colombianos, e o Grêmio voltou a ter ataques esporádicos. Sempre com aquele torcedor atrasado anunciando o gol iminente e sempre com o tal tento não vindo. Aos 84 minutos, sua chance de glória: Jonas lançado livre na área, Jonas correndo, Jonas driblando o goleiro, Jonas com o gol aberto, ao lado da trave, Jonas pronto para marcar.

Em êxtase, o torcedor repetia: “É NOSSSAAAAA! É NOSSA! É NOSSA!”, como se fazer um quarto gol representasse a Libertadores mais próxima. Era dele. Era a chance de ele acertar uma das suas previsões de gol. Jonas parou ao lado da trave, com o arco sem guardião. A maior parte do estádio já entendia o que se passava. Aquele torcedor, ainda não. Mas ele parou de gritar. Por instantes deve ter pensado o que Jonas estava querendo fazer, se pretendia humilhar o goleiro ou se era doido por não botar a bola pra dentro de uma vez, e só ali olhou para o bandeirinha, que anulava o lance. Não era “nossa”. Nem dele.

Não era o quarto gol, mas a vitória àquela altura estava garantida. Com o criticado Roth em metade da campanha, seguido pelo interino Rospide, de futuro incerto, na outra metade, garantia o Grêmio 16 pontos nos 18 disputados. E o primeiro lugar geral na abertura da Libertadores, que salvou os tricolores de um jogo no México. Quando eu saí do estádio, procurando táxis inexistentes ao seu redor, para voltar à Rodoviária e, dali, a Santa Maria, pensava que o feito a ser festejado, caso a vitória do San Luis ocorresse, deveria ser esse de não enfrentá-los. São invariavelmente valorosos os times que homenageiam aquele santo. Vide o São Luiz de Ijuí.

* Nosso redator que agora se revela um brilhante repórter fotográfico. Todas as fotos são dele, com exceção da segunda e da sexta, que são do bem menos talentoso fotógrafo que vos escreve.

Um comentário:

Simo disse...

Bem, bem, bem, bem, bem bem.... Sou nova por aui, mas adorei esse, e terei que ir aos outros textos... Eu fiz uma dessa pra ver meu time já... mas minha mochila tinha bem mais que um estojo de oculos... :D