quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A noite dos libertos

Ele não sabia explicar porque estava lá. Apenas estava, e isso parecia lhe bastar, não valendo a pena emergir com outros questionamentos incapazes de trazer uma nova realidade. Fazia tempo demais. Sabia que um dia vieram, roubaram-lhe a liberdade, não disseram mais nada, e os dias, todos eles, viraram claustrofóbicos.

Entender a situação não era só problema dele. Poucos sabiam explicar como aquilo começara. Desde que se conheciam era daquela maneira. Daquela maneira, provavelmente, deveria ser até o fim. Fazia tempo demais, se continuou assim até agora é porque está correto.

Ele não queria acreditar nisso. E embora os outros, os muitos que não entendiam porque ele estava lá, permanecessem indiferentes e dissessem que ele devia se conformar aprisionado, o cativo, às vezes tomado de um sonho que não compreendia direito, forçava as suas grades. Para quê! Só mais desilusão.

Passou anos e anos aguardando uma oportunidade. Aguardando um dia em que esquecessem a porta aberta – por que não? Mas tudo o que encontrava era um ferro frio, duro e pesado que não cedia. E quando a espera já era grande demais, quando seus gritos ecoavam pelos corredores, mandaram-no para a divisão três. Não se comportou, que agüentasse aquele setor de onde outros prisioneiros voltavam dizendo ser pior que o inferno.

Veni, vidi, vici, poderia dizer ele sobre o período em que passou nessas profundezas. O problema é que só venceu lá. Depois daquelas agruras, mais anos e anos e anos e anos e anos e anos intermináveis que passavam, passavam, passavam com o fim idêntico. Portões fechados. Liberdade negada, com maior ou menor dor. Ao lado dum goiano, dum alagoano e dum cearense, tornou-se símbolo daquela prisão. Eram os que “nunca” saíam de lá – e se alguma vez mudavam de setor, não era por mais de um ano.

Perdeu a noção do tempo, ele, mas não a vaga lembrança do dia em que fora livre. Manteve as mãos agarradas às grades, por vezes desanimado, em outras tornando a sacudi-las. Jamais mostrou tanta força quanto nesses últimos meses. Ele e os que o apoiaram em todas as épocas difíceis chegaram ontem à noite diante de um emissário do Distrito Federal e, após mais uma demonstração de força, ouviram o que tanto queriam: os ferros serão levantados; é o momento da libertação.

A legislação brasileira diz que o maior período de reclusão possível no país é de trinta anos. O Avaí, cuja última participação na Série A data de 1979, será um dos raros conhecedores da pena máxima quando fizer o seu retorno em 2009.
O Avaí provou que não é um time de futebol: trata-se de uma religião praticada no templo da Ressacada.
Marcos Castiel, Diário Catarinense

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