domingo, 4 de maio de 2008

The King of Stamford Bridge

Em 1964, com 17 anos, Peter Leslie Osgood recebeu a oportunidade da sua vida: por um modesto salário semanal de dez libras, ele atuaria na formação reserva do Chelsea. Os azuis precisaram de pouco tempo para notar o quão diferenciado era o talento do jogador nascido em Windsor. Do início da temporada até sua metade, no fim daquele ano, Osgood anotou 30 gols em 20 partidas pelo segundo time, atraindo as atenções de todos. No dia 16 de dezembro, em um duelo contra o Workington, pelas quartas-de-final da Copa da Liga, estreou nos profissionais. O Chelsea venceria por 2-0, dois gols dele, e avançaria rumo ao título.

Estava dado o início à trajetória de Ossie, The King of Stamford Bridge, como lembram os torcedores. No ano seguinte, participou da vitória por 4-1 sobre a Roma, na Copa das Feiras (atual Copa da UEFA), um jogo cuja violência épica rendeu a alcunha de “Batalha de Bridge”. Brilhante, esteve entre os 40 convocados inicialmente para a Seleção Inglesa na Copa do Mundo de 1966, sendo cortado da lista final de 22 – a desilusão talvez fosse um prenúncio das dificuldades que viriam na seqüência: em outubro daquele ano, num jogo contra o Blackpool, teve a perna quebrada em uma dividida, vendo-se incapacitado de defender o time nos meses seguintes e ficando fora da final da Copa da Inglaterra da temporada, em que o Chelsea acabou derrotado pelo Tottenham.

Mas a longa parada não foi suficiente para atrapalhar o futuro de um mito em construção. Os Blues continuaram a vê-lo balançando as redes em jornadas posteriores, em números que chegariam a 150 gols marcados em 379 atuações pelo clube. Ossie permaneceu no Chelsea até 1974, conquistando nacionalmente a FA Cup de 1970 e sendo o principal personagem da campanha, ao se converter num dos nove únicos jogadores da história a marcar gols em todas as fases do torneio, do início à final. Também seria vice-campeão da Copa da Liga em 1972, marcando, é claro, o gol do time na decisão, perdida por 1-2 ao Stoke City. Depois, defendeu o Southampton (conquistando outra FA Cup, em 1976), o Norwich, e teve uma breve passagem no futebol estadunidense, com a camisa do Philadelphia Fury. Na temporada 1978/79, faria seu retorno a Stamford Bridge, o estádio que o consagrara Rei, para uma despedida do futebol.

As conquistas do parágrafo anterior, embora capazes de garantir a Peter Osgood um lugar na história, foram secundárias. Ele fez mais. A maior glória de sua carreira, e do Chelsea Football Club até então, veio em 1971, veio internacionalmente. Eram tempos de Recopa Européia, o extinto torneio que reunia os vencedores de copas nacionais realizadas por todo o continente na temporada anterior. O triunfo sobre o Leeds United, em Wembley, naquela FA Cup de 1970, garantiu aos Blues o direito de lutar pela taça que, à época, era a segunda em importância continental.

Superadas uma a uma, as fases da Recopa foram marcadas por classificações tranqüilas no início e vitórias copeiras a seguir, reforçando a idéia de que, naquele torneio, ninguém seria capaz de superar o Chelsea. O grego Aris Thessaloníki, o búlgaro CSKA Sofia, o belga Club Brugge (levando uma remontada de 4-0, em Londres, depois de vencer por 2-0 na ida) e o também inglês Manchester City (que defendia o título) foram subjugados, na ordem, pelos azuis de Osgood. E então viria a primeira final internacional do Chelsea, a chance dourada para Ossie se inscrever definitivamente entre as lendas.

O temível Real Madrid, em fase de reestruturação após erguer seis Copas dos Campeões nas décadas anteriores, pintou como o antagonista pela taça. A decisão estava marcada para o dia 19 de maio de 1971, no estádio Karaiskákis de Pireu, na Grécia, mas só foi ter seu final dois dias depois, já que o primeiro embate entre as equipes, com gol de Osgood, acabou em 1-1. Expediente comum na época, o jogo-desempate (replay) foi utilizado. No dia 21, trinta e cinco mil espectadores se deslocaram à arena para presenciar os noventa minutos realmente definitivos. Assim o matador descreveu as ações da partida:

No replay, John Dempsey marcou um gol cedo, e o segundo veio de uma jogada de Tommy Baldwin. Nós trabalhamos bem o lance juntos, ele gritou para me orientar. Quando dois marcadores foram em cima dele, Baldwin me deu a chance. Eu mandei a bola no canto com um chute forte, foi um gol extraordinário. Mais uma vez, era um gol da equipe, mas um grande gol para se marcar numa final, e isso era o mais importante. Eu tinha o macete.



Após levar 2-0 com os tentos de Dempsey e Osgood, o Madrid descontou no segundo tempo, através de Fleitas, mas sua reação parou ali. O Chelsea coroava sua geração e dava à sua história uma inédita taça da Europa – conquista que se repetiria tempos depois, em 1998, no mesmo torneio.

Peter Osgood, o herói, permaneceu para muitos como o melhor jogador de um dos maiores onzes já formados pelo Chelsea em todos os tempos. Ironicamente, nos anos 1990, o presidente do clube Ken Bates proibiu Ossie de entrar em Stamford Bridge, enfurecido pelas críticas dele ao seu trabalho. A era Abramovich, no início desta década, trouxe uma anistia, por assim dizer, mas já era tarde: em primeiro de março de 2006, aos 59 anos, o ídolo foi vitimado por um ataque cardíaco fulminante.

Para corrigir as injustiças e preservar as mais belas páginas escritas em sua história, o clube azul de Londres enterrou as cinzas de Osgood numa das marcas de pênalti do seu estádio. Para a eternidade, The King of Stamford Bridge permanecerá reinando em seus domínios.

* * *

Os que passaram a última semana criticando o Chelsea pela sua classificação à final da Champions League e seu crescimento após a vinda do dinheiro russo deveriam, no mínimo, parar para conhecer o vasto histórico dos Blues. Convém lembrar de nomes como Osgood, que construíram aquele Chelsea pré-Abramovich, aquele Chelsea de um passado nem tão distante, representado hoje por Lampard.

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