sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Dignidade

20 de fevereiro de 2008, noite do dia em que o Esporte Clube São Luiz completou exatos 70 anos de fundação. Uma noite de festa, uma noite de gala. Uma noite de futebol, como tantas outras em sete décadas. Lotado, o estádio 19 de outubro não poderia apresentar melhor figura para um confronto de tal importância. Lotado de alvirrubros, que não estavam lá para aplaudir o São Luiz. Ontem, em sua casa, diante de mais de seis mil espectadores, o time ijuiense era hostilizado por uma maioria colorada que não queria saber de apoiar o time da região - estavam lá para ver o poderoso Internacional, adversário da noite, massacrar.

"Já ganhou", afirmava o cântico que alguns dos torcedores da equipe visitante, que pareceu jogar em casa, tentaram emplacar antes da partida. Eram respondidos por vaias que vinham do Pavilhão Social e da torcida Fanáticos, espremida em um canto da geral - os únicos recantos de um 19 de Outubro que não pertencia mais ao São Luiz. Vaias enfraquecidas, que sabiam da impotência do time de Ijuí e, mesmo com uma campanha boa no estadual, temiam por um fiasco, manchando a festa, complicando a temporada. "Já ganhou", repetiam os colorados, com a certeza de quem tinha, à sua frente, o time mais caro do Rio Grande do Sul.

Com pouco mais de dez minutos faltando para as dez horas da noite, soou o apito inicial. Aos poucos, a certeza de vitória ia minguando. O Inter era incapaz de tramar jogadas, não chutava a gol e só criava lances em cruzamentos pouco promissores para a área. O São Luiz, por sua vez, crescia. Defensivista, via, na retaguarda, uma fortaleza liderada pelo goleiro Vanderlei e pelo zagueiro Dirlei, que viveu noite de antologia. Retranqueiro, conseguia conter o adversário, e chegou a mandar no jogo. No primeiro tempo, do início ao fim, as grandes jogadas foram orquestradas pelos são-luizenses. Um surpreendente domínio que teve seu ápice aos vinte minutos, com um pênalti em favor dos locais. Encarregado da cobrança, Alcione, um desastre ambulante, que já havia entregue pontos preciosos em rodadas passadas, desperdiçou a chance - foi sem convicção para a bola, praticamente anunciou o canto em que chutaria e, com um tiro fraco, tornou fácil a tarefa do arqueiro Renan.

Uma chance que não poderia ser perdida. No intervalo, ainda em 0-0, o Pavilhão se desfazia em lamentações pelos comentários dos associados. Ao São Luiz, faltaria preparo físico para resistir, e o domínio se mostraria inútil com a permanência do placar nulo. Mas o time de Ijuí ainda tinha fôlego para um pouco mais. Na metade inicial do segundo tempo, o que seria um início inflamado colorado não ocorreu, e a partida se assemelhou com aquilo visto nos primeiros 45 minutos. E o São Luiz, que já se acostumara com a sua condição em campo, não se intimidou para aproveitar a fraqueza dos badalados Marcão e Orozco e criar novas chances - desperdiçadas, ora na falta de velocidade de Adão, ora com passes errados no momento decisivo.

Até que surgiu uma falta, aos sete minutos da etapa complementar. O sete dos 70 anos, diriam aqueles desesperados por achar predestinação em tudo. O sete do gol, dispensando qualquer simbologia à parte. Uma bola lançada na área visitante, mais uma falha de marcação na defesa porto alegrense e, por fim, uma magnífica tabela de cabeça que terminou com a bola estufando as redes. Já calada há um bom tempo, a torcida do Inter murchou de vez. Estremecia o Pavilhão, enlouquecia a Fanáticos, eternizava-se o momento. Histórico, o São Luiz escrevia com cores vibrantes o seu septuagésimo aniversário. No entusiasmo do 1-0, sob elogios da imprensa da capital, ainda viriam mais algumas boas oportunidades. Só que o passar do tempo também significava o fim da resistência física dos jogadores rubros. Faltaram pernas, e só aí, depois de mais de uma hora de bola rolando, o Inter pôde jogar.

Àquela altura, Abel Braga já sinalizava com três substituições na equipe colorada, e o discurso era de "buscar o empate". Estranho, para um confronto ganho antes de ser jogado. Sem ter como correr, cada vez mais entrincheirado, o onze ijuiense acabou cedendo e sofreu o empate. 75 minutos marcavam os cronômetros quando Guto, um dos saídos do banco, acertou uma cabeçada de sorte, que beijou a trave antes de entrar. Arrastando-se, mas ainda carregando o espírito que o inspirava desde o começo do jogo, o São Luiz resistiu agarrado ao 1-1. Resistiu às cabeçadas, cruzamentos, chutes potentes desferidos pelos oponentes. Resistiu, especialmente, ao último lance do Inter, já nos acréscimos, quando o goleiro Vanderlei, após ser ferido por objetos arremessados pela torcida visitante, mostrou-se um gigante incapaz de temer novas lesões, saltando aos pés dos atacantes rivais para operar o seu último milagre na quarta-feira.

O apito final veio como um alívio aos ovacionados jogadores são-luizenses. Com dignidade, um empate - que poderia ser vitória. Colorados de toda a região estavam lá para ver o show do seu time; alguns chegaram a pagar 120 reais para entrar no estádio. Acabaram assistindo ao São Luiz.

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